sábado, 27 de setembro de 2014

uma música para o fim de semana - Massala


Stament: não concordo com o título "Agir não reagir".
E por isso escolhi este tema de Massala do álbum Cinco Sentidos.

De alguma maneira, as duas palavras têm que estar presentes para haver equilíbrio. 
Associo "agir" à decisão. Seja ela boa ou mão, como diz o povo "mais vale uma má decisão que uma não decisão". Mas meramente e sistematicamente decidir é um risco para a tornar inconsequente. 

Claro que pode ser e usualmente é necessário necessário reagir. Mudar a decisão, o seu curso, a sua potencial consequência. 
Mas a reacção sem uma decisão por trás de novo pode tornar-se inconsequente e esvaziada. Reage-se porque sim. Porque esse impulso existe e não se resiste a ele. O acto de reagir perde a sua natural dinâmica.

Mas se não agirmos, tornamo-nos reféns de medos, de análises excessivas e demasiada ponderação. Se não reagirmos, somos passivos, amorfos ou... estoicos. 
Estas duas palavras, na verdade têm que andar associadas a uma terceira palavra e essa sim muito sábia e suas derivadas: bom senso, sentido crítico e oportunidade.

E no desenvolvimento da letra, que é fácil, cheia de chavões, que toda a gente sabe que é assim mas que na realidade não funciona assim, ou pelo menos na esmagadora maioria das vezes. 
E venha o mais pintado convencer-me disto.

Quem escreveu esta letra está na mó de cima ou não levou muita pancada da vida. É fácil escrever um conjunto de ideias e conceitos bonitos e bem intencionados, porque é o que os livros afirmam e as pessoas à nossa volta que gostam de dar uma de fortes e valentes o dizem também, mas que não percebem nada do assunto.

Quem levou uma valente carga de lenha da vida, não escreveria isto. Certamente que seria uma letra de esperança, mas de uma maneira mais elegante, mais introspectiva, mais inteligente e portanto menos superficial e sem os clichés habituais.
Sentiríamos a sua dor, conseguiríamos percebe-la e levar essa tal letra a sério. E garantidamente que o seu título não seria Agir não Reagir.

É como quem escreve livros de auto-ajuda. Só os escreve quem não precisa e não acredita no tema sobre o qual escreve. Além que já têm a receita pronta com os mesmos ingredientes.  De livro para livro é só trocar a ordem deles. E a única auto-ajuda que precisam e procuram é para os seus bolsos que chega abundantemente de quem infelizmente precisa de ajuda mas não de auto-ajuda.

Agora porque é que escolhi este tema para uma música para o fim de semana?? Porque não gosto dele e principalmente do seu título. 
Lembram-se das duas primeiras frases que escrevi deste texto?? 


Bom fim de semana :)




Um dia olhas com olhos de ver 
O que o mundo anda a fazer 
Mas mesmo assim por muito que tu penses 
Que tudo esta perdido 
E nada mais já faz sentido 
E quando as coisas não aquecem nem arrefecem 
Quando os sentimentos já não sobem só descem 
Isso não é pra mim 
não te queiras fazer forte quando não sentires assim 
Abre os olhos cada dia e olha à tua volta 
E faz sentir a tua energia o mundo há de conhecer 
Agir é viver 

não fiques a dormir, agir não reagir 
viver a fingir, agir não reagir 
é preciso construir, agir não reagir 

não fiques calado quando o queres protestar 
A tua vida não vale nada se não podes falar 
Sou tudo o que tu pensas a cada dia que passa 
Anda nessa, vamos nessa que a vida corre depressa 
Um dia acordas e sentes-te diferente 
Julgas-te pisado e ultrapassado por toda a gente 
Andas sozinho, comes sozinho, choras sozinho 
És pobrezinho, a choradinha, a choradinha...ohohoh ye

Agir é viver 
não fiques a dormir, agir não reagir 
viver a fingir, agir não reagir 
é preciso construir, agir não reagir 

não fiques a dormir, agir não reagir 
viver a fingir, agir não reagir 
é preciso construir, agir não reagir 



sexta-feira, 26 de setembro de 2014

a pequena Alma




Das sete vidas, deve ter gasto logo uma quando foi atropelado, mais duas enquanto o levava de urgência para a clínica e mais outra enquanto esteve internado. Sobram-lhe três. Já começam a ser poucas...

Encontrei o gato à beira da estrada, acabado de ser atropelado. Tinha o focinho em sangue, dentes partidos, língua cortada, anca partida, hipotérmico e estava em estado de choque.

Embrulhei-o num blusão meu e aumentei o ar condicionado para temperatura máxima para que estivesse o mais quente possível.
O céu estava bem negro e pesado. Iria chover forte nos próximos minutos.

Por duas vezes pensei que tivesse morrido. Fechava os olhos e ficava completamente inerte.
Disse-lhe - “Anda lá. Aguenta-te até seres visto pela veterinária, não morras no meu carro que ainda nos vamos dar muito bem”.
Aguentou-se. Na clínica depois uma espreitadela soube que era uma menina.

Nessa noite choveu realmente forte durante bastante tempo. Quase toda a noite. Se não a tivesse apanhado naquele momento, teria mesmo partido de vez com o frio, com a chuva e de inacção.

Durante quatro dias esteve com três patas do lado “vou partir” e a outra do lado “vou ficar”.
Muito prostrada, não comia, não bebia e não reagia a quase nada. Quando tentava levantar-se, caía.
Depois decidiu e pôs as quatro patas no “vou ficar”.

Todos os dias visitei-a à mesma hora. Queria que soubesse que havia uma pessoa e uma voz que a fizesse sentir confortável e em quem podia confiar. Talvez tenha sido isso que a convenceu a ficar.

A veterinária disse-me que ela já conhecia o som do meu carro e sabia quando eu entrava na clínica.
Um desses dias pôs-me atrás da porta fechada e sem ela me ver ouvi-a claramente a miar.
Quando entrava reconhecia-me, miava de novo. Ao ir-me embora também miava mas de uma maneira diferente, mais prolongada. Convencido, fazia-lhe mais festas, saía e ainda continuava a ouvi-la.

Passado talvez mês e meio, depois de vários RXs, análises ao sangue, litros de soro e antibióticos e observações por um ortopedista, ela saiu da clínica nas minhas mãos no dia dois de Novembro.
Em minha casa durante duas horas enfiou-se num buraco onde se escondeu e ficou lá. Foi ganhando confiança e começou a sair aos poucos e poucos. Mas qualquer ruído ou movimento brusco e voltava de imediato para lá.

Faz hoje um ano que a encontrei na estrada. Bonita, pequenita, com olhos de gaiata travessa.
Passei a ter um elegante tornado dentro de casa.
Já fez mais estragos que os outros dois juntos. É a companhia de brincadeira que o Miles sempre precisou .
São parecidíssimos. No padrão da pelagem, cor e comportamentos. Por vezes à primeira vista não é fácil distingui-los. São irrequietos da mesma maneira, como brincam, como correm e como emboscam-se um ao outro.

O Mahler tem agora uma vida mais calma como sempre desejou. Um canto com janela, uma manta e festas. O Miles anda mais ocupado com ela do que com ele.
Uma pequena felina com pouco mais de 3 kg veio melhorar a vida de dois pesados felinos que estão entre os 6 e os 7kg mais um de cerca de 90 kg.

É uma miadeira, ronroneira, basta pôr a mão sobre ela para começar a ronronar, turreira, amassadeira e trepadora profissional. E chantagista também.
Quando quer alguma coisa faz aquele miado meio dorido de quem lhe está a tirar o coração pela boca, que fazia quando eu saía da clínica e me convencia a fazer-lhe mais umas festas.

Dorme no meu colo e à noite há uma sessão de miados e festas antes de adormecer e ao acordar.
Por vezes durante a noite sinto super-suavemente a pata dela a tocar-me no nariz. Um carinho.

Não sei porquê mas bebe com a pata. Mergulha a pata, curvada, tipo colher, no bebedouro e bebe dela. Não sei como adoptou este comportamento. Não fazia isto na clínica.
Anda em cima das cadeiras de uma maneira que nenhum deles faz, trepa para sítios para onde os outros nem pensaram que se podia fazer. E mia, claro.
Deve ter sido da pancada da cabeça no alcatrão. Não ficou a bater bem.


Chamei-lhe Alma.
Porque teve a alma e a força para se aguentar no longo período de internamento e porque tal como o Mahler, foi atropelada.
Alma foi mulher de Mahler, uma das suas grandes paixões.

E agora é a minha, a do Miles e quanto ao Mahler, não sei bem. Talvez amizade. ;)


terça-feira, 23 de setembro de 2014

cinco Haikais de Outono





1

 folha amarela
cai sem pousar,
Ri-te e parte com ela.

2

Olha - Lua pálida
 Outono que surge
na melodia cálida

3

Outono - belas cores
iluminam o mundo
e pousam no fundo

4

neblinas a partir 
ramos de flores a passar
orvalho a fingir

5

noite húmida assim
em ti confio 
nas folhas do jardim 


Inkheart



Enfim...Outono :)


Ou-to-no.

Cada sílaba desta palavra tem algo que não encontramos juntas em mais nenhuma outra.
Elas tornam o Outono único.

Nelas encontramos, as tonalidades das cores quentes das folhas, aquele aroma a terra que as primeiras chuvas da estação arrastam e encontrar a paz que o calor de verão não permite ter verdadeiramente.

As temperaturas baixam, mas não desagradam. As folhas caem no alcatrão preto ou voam pelos jardins de relva verde mas ainda não é agora que as árvores se despem completamente. Elas exibem finalmente as suas cores mais belas que o inclemente verão as impediu de fazer.

Os rios despertam do seu torpor estival, enchem os leitos secos e ouvimo-los cantar de satisfação.
Os céus ganham outra luminosidade e o sol chega atrasado ao seu descanso. Relutante por deixar mesmo que por algumas horas as belas cores que ele próprio ajuda a criar e iluminar sublimente.
As nuvens que julgávamos desaparecidas surgem e tomam as formas que nós quisermos. Um campo de possibilidades infinitas aberto à imaginação e um convite para levantarmos os olhos ao alto.

Até à noite podemos continuar a olhar para o alto. As constelações de Inverno começam a desenhar-se no Outono enquanto algumas de verão ainda permanecem nas noites lavadas de fresco. As suas histórias podem ser ouvidas, sopradas por ventos e brisas outonais.

As neblinas matinais erguem-se pouco acima do solo. Não existem no verão. As suas temperaturas altas não permitem que surjam. Quando baixam as neblinas surgem e com elas um mundo feérico.
Fadas, duendes, gnomos e faunos, cruzam-se entre eles nos afazeres da fantasia, até que o seu efémero mundo seja dissipado e se volte a erguer numa outra manhã.

Se o verão ofusca-nos os sentidos e corta cerce a imaginação, o Outono desperta-los e traz-nos de volta mais apurados que nunca, embrulhados em fantasias e sons que de novo se fazem ouvir.
Tudo isto em três sílabas.




Mas quem conhece melhor que ninguém a beleza e as cores que essas três sílabas encerram é Vivaldi.
Das famosas Quatro Estações, a do Outono é a mais bonita. E não é triste. Pelo contrário. É festiva, alegre e por vezes convida-nos à reflexão. 
Tal como o Ou-to-no.