sábado, 7 de maio de 2016

uma música para o fim de semana - Balla





Electro pop nacional condimentada com um cheirinho, como aquele que de vez em quando se ouve os homens num tasco a pedir para meter no café, de jazz.
Os Balla, liderados pela voz de Armando Teixeira, na canção Contra a Parede, do álbum Arqueologia, têm a colaboração daquele que é muito provavelmente o melhor saxofonista português da actualidade, Rodrigo Amado.

É uma música competentemente orelhuda,suavemente iluminada, sem grandes arremessos de electrónica extemporânea e intrusiva. É inofensiva, descomprometida.
Até o saxofone de Rodrigo - entra aos 2.39 min - é ligeirinho, popular, mas a dar um certo toque de sofisticação veranil, que até se gosta neste tipo de temas e se vai ouvindo nos bares de praia da nossa costa com uma (caipiroska) caipirinha em cima das mesas.

Letra é linear e pouco exigente, o vídeo é atravessado por uma sensualidade interessante, mas não deixa o conforto anónimo do politicamente correcto.
É bom para saber que os Balla existem.


Bom fim de semana :)




Se te tocar volta atrás.
Há um crescer, te bater.
Mas tu não, tu só, tu só
tu não vais voltar.

P'ra quê fugir se me vais encontrar,
sei ao que vou,
sei ao que vou.
Voltar atrás e não ter de escolher
não quero ouvir
não quero ouvir.
Imaginar não é mais que mentir
na tua voz,
na tua voz.
Cortar a corda, cortar a valer,
verde escolher,
verde escolher.

Se te sentir a tocar
e há um crescer, te bater.
Dei um passo... atrás,
atrás.
Não nos vou salvar.

Como gostava de fingir
que nada disto aconteceu
se alguém o não vai consentir
sou eu.

P'ra quê fugir se me vais encontrar,
sei ao que vou,
sei ao que vou.
Voltar atrás e não ter de escolher,
não quero ouvir,
não quero ouvir.
Imaginar não é mais que mentir
na tua voz,
na tua voz.
Cortar a corda, cortar a valer,
verde escolher,
verde escolher.

P'ra quê fugir se me vais encontrar,
sei ao que vou,
sei ao que vou.
Voltar atrás e não ter de escolher
não quero ouvir
não quero ouvir.
Imaginar não é mais que mentir
na tua voz,
na tua voz.
Cortar a corda, cortar a valer,
verde escolher,
verde escolher.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

um poema de... Mário de Sá Carneiro


Quase

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que,desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…


Mário de Sá Carneiro


quinta-feira, 5 de maio de 2016

Oh pá, admiro mesmo esta mulher!


A Quina voltou a ser apanhada a fanar uma carteira na queima das fitas do Porto.
Esta jovem de 85 anos estava em plena acção quando foi apanhada em flagrante. A sua presa era uma idosa, muito mais velha que ela... com 92 anos!

Há um ano, no mesmo local, no mesmo evento e com uma vítima da mesma idade, Quina tinha sido igualmente apanhada.
E tal como ano passado, ela também tinha policias a espiar para verem o que fazia. E fez o mesmo!

Quina raramente é acusada por parte das suas vítimas devido à sua juventude...


Delicioso. Absolutamente delicioso. :D





quarta-feira, 4 de maio de 2016

para entendedores...





12 metros - pouco menos que dez vezes menos


cenote, Mérida - México
Em Fevereiro de 2009 estava a concluir uma espectacular viagem de mês e meio pela América Central.
O fim dessa viagem foi em Mérida, México. Um instrutor de mergulho de apneia e guia local levou-me a um cenote pouco batido na zona.
Não me recordo do nome dele, mas no fundo era um muito discreto e estreito buraco no chão perdido entre dezenas árvores e com uma estreita escadaria metálica a dar acesso até lá abaixo, quase directamente na água.

O cenote era escuro, apenas iluminado pela clarabóia natural por onde entrava um jacto de luz cónico e o seu tecto estava pejado de raízes de árvores pendentes.
A água era de um azul transparente quase irreal. O fundo era uma pequena plataforma em forma de rampa. Começava a cerca de quinze metros de profundidade e passava depois para a sua profundidade total, cerca de cinquenta metros.

No mergulho, até um certo ponto tem que se fazer um certo esforço para descer, mas a partir daí o corpo desce sozinho, por si só. Com barbatanas, meia dúzia de mergulhos e seguindo as suas instruções cheguei aos doze metros com facilidade. Dez anos de natação ajuda muito.
O instrutor aconselhou-me a manter-me nessa profundidade por falta de experiência da minha parte, para poder ir mais longe. Com muita dificuldade, segui o seu conselho. Durante mais de uma hora ia e vinha, ia vinha, ia e vinha. Uma hora de intensa liberdade e deslumbramento.

A experiência marcou-me profundamente. Senti-me a voar imerso na água. Quando nadava para fora da profundidade da plataforma, sentia literalmente a vertigem e a atracção do abismo, devido diferença de profundidades.
Literalmente senti-me voar. Acima de mim tinha uma coluna de água azul clara, bem iluminada pela clarabóia no tecto, por baixo de mim tinha o azul que se tornava gradualmente muito escuro devido ao aumento da profundidade e da luz em chegar ao fundo.
Voei a doze metros de profundidade de água. Senti verdadeiramente a vertigem do azul. Doze metros!


Não consigo imaginar o que é mergulhar, voar, até à profundidade 122 metros de profundidade. no Dean's Blue Hole na ilha Long Island nas Bahamas
Foi exactamente essa a profundidade que o neozelandês William Trubridge atingiu na competição mundial anual, a Vertical Blue, na categoria de imersão livre - sem barbatanas e sem lastro podendo utilizar o cabo guia para subir e descer - num mergulho que durou quase quatro minutos e meio de duração.


Ou seja, estive a pouco menos que dez vezes menos da profundidade que o William atingiu no passado dia 30 de Abril.
Não esquecer que usei barbatanas nos meus, não menos espectaculares, doze metros. ;)






terça-feira, 3 de maio de 2016

Paulo Varela Gomes - Morre como um touro


Paulo Varela Gomes, era um historiador e escritor de arte e arquitectura, morreu no sábado passado, após quatro anos lhe terem diagnosticado cancro.

Para além de tudo o que deixou escrito, vários livros, ensaios, críticas e colaborações com jornais, participação activa na vida política nacional e dois documentários feitos para a RTP,  Paulo Varela Gomes deixou também um longo e doloroso relato escrito na primeira pessoa, sobre a forma como reflectiria, viveria e enfrentaria a sua própria morte.
Foi escrito para a revista Granta com o título "Morrer é mais difícil do que parece"

Para além destas facetas literárias e técnicas, o historiador tinha também uma vertente humanista e muito acutilante no que respeita ao sofrimento animal.
Para este post é este seu lado que prefiro trazer ao de cima, porque os outros são já sobejamente conhecidos por todos.

Em 2010, Paulo Varela Gomes escreveu um texto para o Público intitulado - Morrer como um touro.
Um texto sentido e emotivo sobre as angustias e os sofrimentos do touro durante uma lide na arena e a aparente e pretensa valentia de um toureiro ou forcado, que apenas mascara uma profunda covardia.

Fica o link para o texto completo e reproduzo parte desse mesmo texto:

"Mas a tradição é mais antiga, do tempo em que humanos e animais lutavam na arena para excitar os nervos da multidão com o sangue e a morte anunciada. A piedade, que é um valor mais antigo do que Cristo, veio, na sua interpretação cristã, salvar disto os humanos. Esqueceu-se, porém, dos animais.
Há um momento nas touradas em que o touro, muito ferido já pelas bandarilhas, o sangue a escorrer, cansado pelos cavalos e as capas, titubeia e parece ir desistir. Afasta-se para as tábuas. Cheira o céu. Vêm os homens e incitam-no. A multidão agita-se e delira com o sangue. O touro sabe que vai morrer. Só os imbecis podem pensar que os animais não sabem. 
Os empregados dos matadouros, profissionais da sensibilidade embaciada, conhecem o momento em que os animais "cheiram" a morte iminente. Por desespero, coragem ou raiva (não é o mesmo?), o touro arremete pela última vez. Em Espanha morre. Aqui, neste país de maricas, é levado lá para fora para, como é que se diz? ah sim: ser abatido. 
A multidão retira-se humanamente, portuguesmente, de barriga cheia de cultura portuguesa, na tradição milenar à qual nenhuma piedade chegou.

Os toureiros têm pose que se fartam (e com a qual fartam toda a gente). Pose de hombre, pose de macho. Mas os riscos que de facto correm são infinitamente menores que a sorte que inevitavelmente espera os touros, que o sofrimento e a desorientação que infligem aos touros para o seu próprio prazer e o da multidão. 
Dá vontade de dizer que quem se porta assim, quem mostra orgulho de se portar assim, tem entre as pernas, e não apenas literalmente, órgãos bem mais pequenos que aqueles que os touros exibem. Os toureiros são corajosos mas entram na arena sabendo que haverá sempre quem os safe, senão à primeira colhida, então à segunda. Às vezes aleijam-se a sério e às vezes morrem, o que talvez prove que os deuses da Antiguidade são justos, vingativos e amigos de todos os animais por igual. Os touros, esses, não têm ninguém que os vá safar em situação de risco, estão absolutamente sós perante a morte. 
Querem os toureiros ser hombres até ao fim? Experimentem ser tão homens como eram os homens e os animais na Antiguidade: se ficarem no chão, fiquem no chão. Morram na arena. É cultura. A senhora ministra da Cultura certamente compensará tão antigo costume.

Também era da tradição, em Portugal por exemplo, executar em público os condenados, bater nas mulheres, escravizar pessoas. Foi assim durante milénios. Ninguém via mal nenhum nisso a não ser, confusamente, com dúvidas, as próprias vítimas. Até que a piedade, na sua interpretação moderna e laica, acabou com tão veneráveis tradições.


Que será preciso para acabar com a tradição da tourada? Que sobressalto do coração será necessário para despertar em nós a piedade pelos animais?"